Art residencies: water as a source of community
Exhibition catalogue - Not controlled water
Works and research
Program promoted and organized by RAMA - Residências Artísticas de Maceira e Alfeiria, with the support of the Torres Vedras City Hall, contemplates three scholarships for artistic creation in a local context for three artists who live or work in the West region.
The Artist Residency took place from 10 January to 27 February, with mentoring from curator Ana Anacleto, artist Paulo Brighenti and guest artists Cristina Ataíde and Noé Sendas.
Through research and the creation of contemporary works of art, the scholarship programme aims to encourage community experience with a more focused attention on the region's hydrographic condition, which is a factor in agricultural development and is reflected in all human activities, from the home, to the vineyard, to other crops, as well as being present in the collective imagination of populations and their relationship with indigenous spiritual practices, rituals and customs.
Curator: Ana Anacleto. Estúdios da RAMA – Residências Artística, aldeia de Maceira, Torres Vedras.
Exhibition text - Água não controlada
Water is taught by thirst;
Land, by the ocean passed;
Transport, by throe;
Peace, by its batles told;
Love, by memorial mould;
Birds, by the snow.
– Emily Dickinson (1896)
Retenhamos a belíssima proposição esboçada no poema de Emily Dickinson: a possibilidade da tomada de consciência de um determinado elemento se fazer a partir, justamente, da sua ausência.
Tomar consciência é reconhecer. Voltar a identificar o que já conhecemos (de antemão, numa primeira instância) para poder nomeá-lo. E, na proposição de Dickinson, esse reconhecimento produz-se em função do que nos falta. Reconhecemos o que não temos, reconhecemos o que não vemos, em suma, reconhecemos o que desejamos.
Ao percorrer o território, maioritariamente rural, das freguesias da região de Torres Vedras é inevitável repararmos nas inúmeras bicas de água públicas que servem, desde há muitas décadas, as populações locais nas suas mais diversas actividades. Nestas bicas públicas é frequente a presença de uma placa de sinalização com a frase “Água não controlada”, advertindo para a não potabilidade daquela água e para a perigosidade da sua utilização inadvertida.
Propomo-nos entender agora esta noção de “água não controlada” (para além da sua função prática), na sua dimensão metafórica, como uma tentativa de aproximação ao próprio acto criativo. Inscritos numa matriz judaico-cristã somos educados no sentido da valorização do acto da criação e sabemos que em vários momentos da história da humanidade este aparece associado justamente à água e às suas várias manifestações. O acto criativo, ou o gesto criador, como uma espécie de torrente líquida incontrolável, sem limites e que se alimenta imensamente da falta, do desejo, da procura, da investigação, da crença e, simultaneamente, de uma incansável tentativa de contenção e controlo.
As manifestações da presença da água (mas também a sua ausência, a sua falta) têm orientado e determinado, através dos séculos, a organização das populações, as suas estratégias de sobrevivência e as suas actividades laborais, e neste sentido proporcionado a edificação de processos comunitários de partilha e interacção altamente devedores de uma prática interseccional e simbiótica entre todos os seres viventes e não viventes, religiosos e pagãos, existentes e ficcionados.
O equilíbrio (inevitavelmente tenso) gerado por estas relações simbióticas e cúmplices parece garantir a estabilidade das comunidades e proporcionar-lhes uma condição social que lhes permite viver muito para além de (sobre)viver.
As várias ideias esboçadas aqui (falta, desejo, procura, simbiose, equilíbrio, auscultação, observação e interacção) e a permanente disponibilidade e sentido de curiosidade para com o meio ao seu redor (a comunidade e a sua integração nela) parecem ter norteado algumas das investigações desenvolvidas pelos quatro artistas agora a trabalhar no âmbito do projecto de residência “A água como fonte de comunidade”.
Sara Graça Santos, através de uma prática diária da caminhada, da observação atenta à natureza e aos seus micro-acontecimentos, e de um forte comprometimento religioso, desenvolveu um conjunto de obras em torno das ideias de ausência e presença da água e dos valores simbólicos a ela associados.
Paulina Dornfeldt, pondo em prática uma ideia de despojamento aliada a uma dimensão espiritual e a uma relação cúmplice com a natureza, desenvolveu interessantes explorações em torno do uso de pigmentos naturais para a produção de pinturas – objecto. Com tímidas incursões no universo espiritual do shamanismo, estas pinturas conjugam a sua dimensão artística e estética com a sua função ritualista.
Tiago Leonardo, num registo centrado numa investigação em torno da imagem e dos seus desdobramentos, propõe-nos uma aproximação à água enquanto matéria física de reprodução das imagens (a água como espelho, como superfície reflectora e agregadora das partículas lumínicas que estão justamente na origem da proto-fotografia).
Madalena Lopes e Léo Raphaël desenvolveram uma muito interessante exploração em torno das possibilidades adivinhatórias atribuídas ao “vedor” (comummente identificado como aquele que possui qualidades intrínsecas para pesquisar e identificar nascentes de água). A sua curiosidade, disponibilidade mental e a forma generosa e poética como se entregaram ao território, permitiu-lhes desenvolver um conjunto de elementos escultóricos, visuais e espaciais que se oferecem ao espectador como uma experiência verdadeiramente imersiva.
Propomos então o retorno ao poema de Dickinson, e ao quanto a sua proposição nos parece agora ainda mais clarificadora. O processo de leitura de uma obra de arte é, também ele, um processo de reconhecimento marcado em grande medida pela falta, pelo desejo. Projectamos nesse processo de reconhecimento muitas das nossas inquietações e questões, projectamo-nos enquanto sujeitos (com o quadro de valores sócio-culturais que trazemos connosco) e assumimos esse encontro (o encontro com o conhecimento) como uma resposta para aquilo que justamente nos falta. Uma espécie de sede que nos faz encetar um processo de procura não controlada … na inevitável direcção da nascente de água.
Ana Anacleto
Fevereiro 2023
Tiago Leonardo
"This residence seems the perfect opportunity to continue my research, and for that I would like to take a step back in the technology of image production - dry part of them as Jeff Wall calls it - experimenting the possibilities of exploring their liquid condition - in a double sense - through an overhead projector, in a game of layers, transparencies and opacities - also believing that only the immersiveness of the scale of a projection will do justice to what we intend to explore here, not ceasing to intend to complement this whole project with "physical" elements."
Madalena Lopes e Léo Raphaël
The project we propose to develop in the context of the RAMA artist residency, seeks to explore the intelligibility of things both textually and sensorially. It adopts an approach between fiction and documentary, in the villages of Maceira and Alfeiria. Through on location research and the collection of community testimonies we intend to create a series of objects that interconnect myths, rituals and esoteric knowledge related to finding water. As a starting point we will turn to the dowser and consider mystical phenomena as a creative refuge rather than seeing them as farces. In a movement beyond the visible and tangible, we will try to feel the water.
Sara da Graça Santos
"Observing water, its movements and properties in an intrinsic relationship with time is one of the activities that most enriches me as an artist. I have been developing a silent and solitary work on the banks of the Óbidos lagoon where I observe the gentle movement of the tides that allows me to contemplate the ephemerality of the compositions I make with natural objects, which I dispose and place at the disposal of time and the movements of the natural environment. I don't give them names but I like to look at them as sentinels".
Paulina Dornfeldt
“Nature can be tiny and intricate or vast and breathtaking. In between I am. I am a nomad living alongside nature. It’s the shapes and textures that activate my inspiration and lead to memories that always open a new direction. I extract natural materials such as pigments or charcoal from the places I live, creating my works on site out there in nature. The paintings becoming portraits of the places themselves, an abstract diary and after all a picture of the country itself.”